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quinta-feira, 21 de julho de 2011

entrevistando...


A voz suave logo denuncia quem está do outro lado da linha: uma artista, ou melhor, uma das maiores intérpretes do balé no Brasil e no mundo. Cecília Kerche é primeira bailarina do Theatro Municipal. É também Embaixatriz da Dança, título concedido pela UNESCO graças às suas apresentações mundo afora. No meio artístico, é considerada como uma das melhores intérpretes de Odette/Odile de “O lago dos Cisnes”, balé que emociona mesmo passados 130 anos da sua primeira versão. A bailarina é protagonista de uma carreira de reconhecimento internacional na qual musicalidade, plasticidade, sensibilidade e emoção desenham uma trajetória de sucesso. Paulista radicada no Rio de Janeiro, teve como orientadores professores do porte de Vera Mayer, Halina Bienarcka e o maestro de balé Pedro Kraszcuzuk. Confira nessa entrevista o que Cecília espera para os próximos 100 anos do Theatro Municipal e saiba em quais balés do século XX ela ainda deseja dançar. 

Mundo Da Danca (MD) - O Theatro Municipal está completando 100 anos. Como é ser a primeira bailarina do Municipal?

Cecília Kerche –
 É uma experiência fantástica porque para se tornar bailarina profissional são necessários pelo menos oito anos árduos de estudo. E ter essa sorte de ingressar no Municipal então... Lá você ingressa por audição. E em três anos eu conquistei o patamar de primeira bailarina. É enriquecedor trabalhar na profissão que estudei, me dediquei.

(MD)– Houve alguma apresentação no Theatro que foi muito marcante?

Cecília Kerche -
 Todas são super importantes, mas eu vou citar um momento, em 2007, em que o ex-diretor Marcelo Misailidis me prestou uma homenagem depois de dançar “O lago dos Cisnes”. Em cena aberta, ele disse que eu fui a melhor intérprete do cisne na história do Theatro. Foi emocionante.

(MD) - Você foi eleita pela UNESCO a Embaixatriz da Dança, é considerada uma das melhores intérpretes do Cisne, recolhe aplausos onde quer que se apresente... Como lida com isso tudo?

Cecília Kerche –
 Eu vejo como uma grande responsabilidade. Tudo isso é o que deixarei para as próximas gerações, para a tradição do Theatro Municipal. É a minha forma de contribuir para essa arte que me dediquei desde criança. 

(MD) - Existe algum lugar ou papel que você gostaria de ter dançado e ainda não realizou esse sonho?

Cecília Kerche –
 A bailarina é sempre inquieta, quer se apresentar em todos os lugares. Mas não importa mais o aonde e sim os balés a serem apresentados. Eu gostaria de me apresentar nos balés do século XX, como Manon e Dama das Camélias. [A bailarina refere-se à obra de Kenneth MacMillan, com música de Jules Massenet, de 1974, cuja personagem principal é uma "femme fatale"].

Cecília interpretando "O Lago dos Cisnes"

(MD) - A arte erudita amedronta a população?

Cecília Kerche –
 Não, pelo contrário. O público adora. É uma questão de sonho, magia. Especialmente quando a gente sobe no palco e encarna personagens como Odette e Odile (O Lago dos Cisnes), que são meio mulher meio cisne, ou então quando subo para fazer Giselle, que é uma camponesa e depois se transforma em espírito. O público acha isso mágico. A pessoa de carne e osso num momento de magia. O público adora arte erudita.

(MD) – O balé pode ser um instrumento de educação para as crianças?

Cecília Kerche –
 Sem dúvida. Se as crianças não vão fazer parte dessa cultura como artista, elas podem adquirir conhecimento não só do que é belo, mas também das músicas, da história das apresentações. Essa bagagem vai fazer parte da vida dela.

(MD) - O que você vê de diferente hoje no Municipal em relação a quando começou a dançar profissionalmente? 

Cecília Kerche –
 Acima de tudo tínhamos mais espetáculos, o repertório era mais rico. A gente vivia em cena. Agora é muito esporádico. Acho que o nosso teatro é a “jóia da coroa” do país. O Municipal é o teatro mais importante, o único que abriga os três corpos estáveis - orquestra, coro e técnica. 

Acho que a semelhança com a Ópera de Paris deveria ser aproveitada para fazer o Municipal funcionar como a Ópera funciona na Franca. Se é bom para o francês por que não seria para o brasileiro? Temos todos os instrumentos como os deles, os corpos artísticos, pessoas competentes...

(MD) – O que você diria às meninas que estão se dedicando para se tornarem belas bailarinas como você?

Cecília Kerche –
 Conselho é uma coisa complicada. Mas há 10 anos eu li algo, que não sei de quem é, e tomei isso para mim. Existem dois grupos: o primeiro é composto por aqueles que só querem colher os louros do trabalho. E o segundo é composto por pessoas que trabalham para colher os louros. Eu decidi ficar no segundo grupo porque tem menos concorrência (risos). É bom que os jovens bailarinos fiquem no segundo.